O seu jornal virtual de cultura

Um jornal virtual dedicado aos jovens. Falarei sobre cinema, meu foco principal, e sobre assuntos culturais que agradem aos interessados. Criamos esse blog para escrever e aperfeiçoar minha futura profissão, e, principalmente, para interagir com as pessoas do meio jornalístico e todos que tenham gosto por cultura e cinema. Deixem seus comentários, críticas, depoimentos e participem com dicas e dúvidas. Espero que gostem do meu trabalho. Wânyffer Monteiro

sábado, setembro 23, 2006

Diários de Motocicleta

Título original: The motorcycle diaries.

Gênero: drama

Tempo de duração: 128 minutos

site oficial: www.motorcyclediaries.com

Diretor: Walter Salles

Cine-repórter: Wânyffer Monteiro




“Este não é um relato de fatos heróicos. É o fragmento de duas vidas que percorreram juntas um caminho, compartilhando as mesmas aspirações e os mesmos sonhos.” Ernesto Guevara de la Serna. 1952

Desse modo, dá- se por iniciado o filme, baseado no verdadeiro diário de Ernesto Guevara. Ele narra a sua primeira viagem, a qual teve o intuito de celebrar os 30 anos de seu companheiro de estrada, o bioquímico Alberto Granado.

A jornada começa em janeiro de 1952, em Buenos Aires, na Argentina, cidade natal de ambos, de onde partem com a pretensão de explorar toda a América latina. O veículo usado para essa ousada aventura é a motocicleta de Alberto, já bem velha e depenada por tantos consertos, carinhosamente chamada de La Poderosa.

Esse filme, de começo enfadonho, tem por meta mostrar a formação ideológica de Che. Durante toda a viagem, os amigos passam por experiências incríveis, assistindo, então,a uma realidade distante da que conheciam e sobre a qual tinham apenas lido, o que visivelmente faz crescer neles um sentimento enorme de generosidade e justiça. Os dois encontram diversos tipos de contextos vividos por seus conterrâneos americanos, desde pessoas sem emprego e humilhadas a uma ilha de leprosos.

Certamente, a parte que mais retrata a humanidade de Guevara pode ser observada no leprosário, em San Pablo, Chile. Uma ilha com pessoas afetadas pela lepra, onde aprendemos com Che e Granado que um simples gesto de afeto pode fazer a diferença. Cenas comoventes passam- se neste lugar. É evidente a coerção exercida pela madre superiora sobre os doentes, os quais só poderiam comer após assistirem às missas dominicais, e o carinho desses pelos visitantes argentinos. No dia do aniversário de Ernesto (14 de junho), os médicos fazem uma festa comemorativa e o aniversariante dá uma lição de perseverança, atravessando o rio Amazonas a nado para comemorar a data com os leprosos, ele não concordava com o fato do rio separar os pacientes dos sãos.

O filme por muitas vezes tem um ar de documentário por mostrar, durante a viagem, pessoas reais de cada região e diálogos informais entre os personagens, deixando o filme mais realista e interessante. Os costumes, sotaques, cenários, feições e músicas são bastante enfatizados ao mudar de país para país.

Os atores Gael García Bernal e Rodrigo de la Serna ( primo de segundo grau de Che Guevara), respectivamente Ernesto e Alberto, atuam brilhantemente. Com uma simplicidade incrível, tudo na medida exata. Há uma dinâmica extraordinária entre os personagens na agilidade dos diálogos, gestos e olhares trocados. Uma dupla perfeitamente escolhida e com empatia inigualável, pode- se ver nos olhos e feições de Gael a mudança de Guevara durante o filme. Suas idéias e desejos vão mudando ao passar pelos países e pelas pessoas deixadas.

O diretor Walter Salles, brasileiro bastante conceituado e experiente, empresta sua ampla visão ao filme, mostrando cenários que prendem demasiadamente nossa atenção, tornando cada paisagem um personagem essencial no filme. Podemos ver desde estradas de terra comuns até desertos, campos, neve, e todo tipo de lugares e manifestações da natureza. Esse detalhe importantíssimo dá uma veracidade enorme ao filme, retratando a diversidade não só cultural e étnica, mas também de belezas naturais da América Latina.

É importante ressaltar como Ernesto Guevara mudou após esta aventura. De um jovem de classe média, que nunca havia sentido a realidade e só a conhecia por livros, torna –se um homem sério, preocupado e cheio de amargura, com um grande desejo de mudança. Ele sente na pele toda dor passada pelos sul-americanos e forma ideais que, mais tarde, se concretizariam. Entretanto, o filme não se resume apenas em dor e cruéis realidades. Salles quebra divinamente bem esse ar sério do filme recheando-o com a comicidade de Alberto Granado.

O final causa um pouco de surpresa e comoção quando são mostradas imagens de todas pessoas as quais os viajantes encontraram em sua rota e os olhos do verdadeiro Alberto Granado, hoje um senhor de expressões carregadas e olhar experiente.

Aqueles que conhecem Che Guevara como o grande homem que foi, devem assistir ao filme para aprofundar-se em suas idéias. E se alguém veste as camisas com seus rosto apenas por modismos e não conhece a verdadeira ideologia desse homem brilhante, Diários de Motocicleta, é a indicação perfeita para conhecer o espírito de um revolucionário como o mundo nunca viu antes.

*Indicações:
1 – Para ter um maior conhecimento da vida de Guevara recomendo a leitura de, Ernesto Guevara, Também Conhecido Como Che, escrito por Paco Ignacio Taibo II. Um ótimo livro.
2 – Leiam também, Che Guevara: Uma Biografia.

*Letra traduzida da canção tema do filme, ganhadora do Oscar de melhor música:
AL OTRO LADO DEL RIO
FINCO O MEU REMO NA ÁGUA LEVO O TEU REMO NO MEU ACREDITO TER VISTO UMA LUZ AO OUTRO LADO DO RIO.
O DIA VAI VENCER AOS POUCOS O FRIO ACREDITO TER VISTO UMA LUZ AO OUTRO LADO DO RIO.
PRINCIPALMENTE ACREDITO QUE NEM TUDO ESTÁ PERDIDO TANTA LÁGRIMA, TANTA LÁGRIMA E EU SOU UM COPO VAZIO. OUÇO UMA VOZ QUE ME CHAMA... QUASE UM SUSPIRO REMA, REMA, REMA. NESTA MARGEM DO MUNDO O QUE NÃO É REPRESA É BALDIO ACREDITO TER VISTO UMA LUZ AO OUTRO LADO DO RIO.
EU, MUITO SÉRIO, VOU REMANDO E BEM LÁ DENTRO, SORRIO ACREDITO TER VISTO UMA LUZ AO OUTRO LADO DO RIO.
PRINCIPALMENTE ACREDITO QUE NEM TUDO ESTÁ PERDIDO TANTA LÁGRIMA, TANTA LÁGRIMA E EU SOU UM COPO VAZIO. OUÇO UMA VOZ QUE ME CHAMA... QUASE UM SUSPIRO REMA, REMA, REMA.
FINCO O MEU REMO NA ÁGUA LEVO O TEU REMO NO MEUACREDITO TER VISTO UMA LUZ AO OUTRO LADO DO RIO

*Elenco:
Gael García Bernal ( Che Guevara)
Susana Lanteri (Tia Rosana)
Mía Maestro (Chichina Ferreyra)
Mercedes Morán (Celia de la Serna)
Jean Pierre Nohen (Ernesto Guevara Lynch)
Rodrigo de la Serna (Alberto Granado)
Gustavo Pastorini (Passageiro)
Jaime Azócar
Ulises Dumont
Facundo Espinosa

*Premiações
- Ganhou o Oscar de Melhor Canção Original ("Al Otro Lado del Rio"), além de ter sido indicado na categoria de Melhor Roteiro Adaptado.
- Recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.
- Ganhou 2 prêmios no BAFTA, nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Trilha Sonora. Recebeu ainda outras 5 indicações, nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Ator (Gael García Bernal), Melhor Ator Coadjuvante (Rodrigo de la Serna), Melhor Fotografia e Melhor Roteiro Adaptado.- Recebeu uma indicação ao Cesar de Melhor Filme Estrangeiro.
- Ganhou 2 prêmios no Independent Spirit Awards, nas categorias de Melhor Revelação (Rodrigo de la Serna) e Melhor Fotografia. Foi ainda indicado na categoria de Melhor Diretor.
- Recebeu uma indicação ao European Film Awards de Melhor Filme Não-Europeu.
- Ganhou o Goya de Melhor Roteiro Adaptado.
- Ganhou o Prêmio Ecumênico do Júri, no Festival de Cannes.
- Recebeu uma indicação ao Grande Prêmio Cinema Brasil de Melhor Filme Estrangeiro.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Diário de uma paixão

Título original: The Notebook

Gênero: Romance

Duração: 121 minutos

Ano: 2004

Site oficial: www.thenotebookmovie.com

Cine-repórter: Aline Farias



Sinopse: Um dos internos de uma clínica geriátrica lê, para uma outra paciente, um diário que relata a vitória de um grande amor sobre as muitas dificuldades vividas por um casal irremediavelmente apaixonado: Allie Amilton (Rachel McAdams) e Noah Calhoun (Ryan Gosling). Um desfecho surpreendente e emocionante se desenvolve na passagem de cada cena.

"Diário de uma paixão" ("The notebook"), baseia-se no livro "Diário de Noah", escrito pelo brilhante romancista Nicholas Sparks, autor de outras obras primas como a que inspirou "Um amor para recordar" ("A walk to remenber"). Um filme a princípio frustrante, mas com um desenrolar intenso, profundo e arrebatador. O autor consegue desvencilhar-se de um contexto pouco criativo e desenvolver um relato de vida único e apaixonante.

A questão da moça rica e do rapaz sem recursos, o namoro proibido pelos pais da protagonista e uma seqüência de cenas do filme, são a mais fiel representação de um tipo de romance já muito saturado no meio cinematográfico. Em contrapartida, desenrola-se uma história de amor sem excessos de sacarose e que proporciona ao expectador uma reflexão intensa, sendo capaz de levar à comoção o público mais exigente.

Os protagonistas precisam transpor uma série de obstáculos até que consigam, finalmente, se entender e ficar juntos. Além do preconceito contra Noah e da direta intervenção da mãe de Allie impedindo a comunicação do casal, há ainda a separação de sete anos entre os dois. Nesse período, Allie conhece um novo homem e ao reencontrar seu par romântico está a poucos dias de seu casamento, precisando escolher entre a paixão de sua vida e o sério compromisso assumido.

Quando jovens, ao terem sua primeira noite de amor, Allie e Noah idealizam um futuro juntos, o ator principal planeja a reforma do local onde se conheceram intimamente e detalha como gostaria que o lar deles fosse edificado. O protagonista, no período em que está distante de sua amada, constrói esse sonho com suas próprias mãos, sendo fiel aos seus planos. Em um dado momento, não sabe o que fazer com a obra-prima que construiu e divulga a venda da casa em um jornal. É nesse episódio que Allie, revendo o amor de sua vida, resolve ir ao seu encontro.

Não é um filme com idéias nem acontecimentos revolucionários, contudo as belíssimas paisagens, uma narrativa inteligente, um elenco absolutamente harmonioso, além da perfeita sintonia entre os protagonistas, são um grande privilégio para os telespectadores, não podendo deixar de ser citada também a belíssima trilha sonora.

Os episódios se intercalam entre o passado e o presente, criando um “flashback” muito bem trabalhado, contando também com uma narrativa habilmente interligada. A curiosidade do expectador é, aos poucos, estimulada, fazendo com que a atenção precise ser redobrada e tornando os pontos altos do filme ainda mais impactantes.

Os instantes mais apaixonados do casal não deixam de conter, na medida e no momento certos, uma intimidade real. O sentimento que faz Allie e Noah unidos prevalece de maneira incontestável. O carisma e a harmonia do casal são tão grandes que o amor deles parece permanecer ingênuo mesmo depois que eles já se conhecem completamente. Eles vão além do amor entre homem e mulher, são mais que amantes; são cúmplices e amigos.

A história relatada se passa entre as décadas de 40 e 50, fazendo uma abordagem histórica, embora sutil, indiscutivelmente necessária, com a passagem pelo período da Segunda Guerra Mundial. A produção e o figurino de arte são de um extremo bom gosto e se adequam bem ao período pelo qual passa o filme.

Os detalhes dispensáveis não aparecem nas cenas. Uma edição enxuta e direta faz a narrativa transcorrer com grande leveza. O expectador tende a deixar-se conduzir pelo ritmo do filme, desprendendo-se de qualquer constrangimento e, muitas vezes, não conseguindo conter as lágrimas.

Entre os episódios, desenvolve-se também um humor discreto, fazendo com que o drama não consuma a cena por inteiro, dando aos momentos felizes um destaque especial e merecido. No desfecho, é possível observar algo além de um simples romance: uma lição de vida.

Apesar de alguma previsibilidade, toda comoção pode ser explicada pelo fato de tratar-se com imensa profundidade de um tema tão delicado como amor, que é mostrado em sua face mais verdadeira e pura, sendo representado com muita naturalidade e finalizado com uma magnitude capaz de levar ao êxtase, entusiasmando e emocionando o público com a real possibilidade de um amor eterno.



Elenco:
James Garner (Noah Calhoun)
Gena Rowlands (Allie Hamilton)
Rachel McAdams (Allie Hamilton - jovem)
Ryan Goislin (Noah Calhoun - jovem)
Joan Allen (Mãe de Allie)
Heather Wahlquist (Sara Tuffington)
Elizabeth Bond (Secretária)
Jamie Brown (Martha Shaw)
Nancy De Mayo (Mary Allen Calhoun)
Jennifer Echols (Enfermeira Irene)
Sylvia Jefferies (Rosemary)
Eve Kagan (Ellen)
Meredith Zealy (Maggie Calhoun)
James Marsden (Lon Hammond Jr.)
Sam Shepard
Ficha Técnica:
Estúdio: New Line Cinema / Gran Via / Avery Pix
Distribuição: New Line Cinema / Warner Bros.
Direção: Nick Cassavetes
Roteiro: Jeremy Leven, baseado em livro de Nicholas Sparks
Produção: Lynn Harris e Mark Johnson
Música: Aaron Zigman
Fotografia: Robert Fraisse
Desenho de Produção: Sarah Knowles
Direção de Arte: Scott Rittenour
Figurino: Karyn Wagner
Edição: Alan Heim
Efeitos Especiais: Custom Film Effects / Bob Shelley's Special Effects International Inc.
Premiações:
Ganhou 2 prêmios no MTV Movie Awards, nas categorias de Melhor Revelação Feminina (Rachel McAdams) e Melhor Beijo (Ryan Gosling e Rachel McAdams). Foi ainda indicado na categoria de Melhor Atriz (Rachel McAdams).

sexta-feira, setembro 08, 2006

A luta de uma mulher contra a opressão ditatorial

Filme: Zuzu Angel

Duração: 110 minutos

Site oficial: http://www.zuzuangelofilme.com.br/

Direção: Sérgio Rezende


Cine-repórter: Wânyffer Monteiro

Zuleika Angel Jones ou Zuzu Angel, uma conceituada estilista dos anos 70, além de grande empresária, enfrenta uma verdadeira batalha na procura pelo corpo de seu filho, Stuart, brutalmente torturado e assassinado pelos militares na época da ditadura militar.

Zuzu Angel é uma estilista brasileira que teve três filhos com o americano Norman Angel Jones, duas meninas, Ana e Hildegard, e um menino, chamado Stuart Edgard Angel Jones, este ingressou na luta armada contra a ditadura militar, com fortes idéias socialistas, apoiado por sua namorada e futura esposa, Sônia. O rapaz e sua mãe tinham ideais opostas, enquanto ele lutava contra a opressão da ditadura militar, ela, embora não concordasse com o atual sistema governamental, preferia ficar calada. Apesar disso, ela protegia e dava guarita a seu filho e Sônia quando preciso, principalmente após ela ter sido libertada da prisão e necessitado fugir do país. Entretanto, seu marido Stuart, não a segue, sendo descoberto pelos militares e em conseqüência, preso. Então, após esse fato a luta de Zuzu dá-se por iniciada.

Através de um telefonema ela toma conhecimento de que seu filho fora preso e inicia uma busca incessante por ele. Ao iniciar sua investigação pelo presídio, depara-se com belas e limpas celas, que nada mais eram do que uma simulação de uma verdade inexistente, enquanto em seus bastidores aconteciam sessões de tortura indescritivelmente cruéis. Durante todo o tempo Zuleika é seguida por espiões, tem seu telefone grampeado e é ouvida por escutas, vivendo uma verdadeira perseguição.

Um dia, Zuzu recebe uma carta de um companheiro de Tute, apelido carinhoso do seu filho, que descrevia e anunciava a morte de Stuart. É importante ressaltar a brilhante atuação de Patrícia Pillar, tanto neste como em tantos outros momentos do filme, onde ela aparece desesperada ao ler a descrição da tortura sofrida pelo seu ente querido e parece senti-la na própria pele. Parte da carta de Alberto dizia: "Na mesma noite fui torturado ao lado de Stuart, na base aérea do Galeão. Stuart foi arrastado de um lado para o outro, seu corpo esfolado, amarrado a um jipe (...) ele forçado a aspirar os gases tóxicos do veículo, o cano de descarga enfiado na boca".

Com a realidade, inevitável a frente de seus olhos ela vê que necessitaria protestar com mais força, e o fez através do que ela sabia fazer melhor, a moda. Anjos machucados, tanques de guerra, soldados e manchas vermelhas foram os modelos das estampas criadas por Zuzu Angel para denunciar, em um desfile que realizou em Nova York, em 1971, o assassinato de seu filho Stuart pelo governo militar chefiado por Emílio Garrastazu Médici. Cartas também foram escritas e enviadas a chefes de estado, artistas e todas as pessoas influentes do país, e foram deixados relatórios na ONU e no senado norte-americano para alerta-los das torturas ditatoriais e falar sobre a morte de Stuart. Com todas essas denúncias começa a sofrer ameaças pelo telefone e teme por sua vida. Ela tem a triste notícia de que Sônia, sua nora, também fora morta pelos militares após ser torturada e ter os seios arrancados.

As torturas são perfeitamente descritas por imagens no filme. O uso de sal grosso, o ‘pau de arara’, as cordas, e o carro usado para matar Stuart. As cenas são extremamente comoventes e realistas, as quais nos levam a criar um maior sentimento de revolta pelo sistema da época e a seguir Zuzu, que, se antes ficava inerte a frente do governo, agora protestava incansavelmente, adotando as idéias de seu filho e de tantos outros revolucionários0.

Um ponto verdadeiramente intrigante e que causa repugnância no filme é o julgamento de Stuart perante a corte oficial. O advogado de Zuzu afirma para todos ter a certeza de estar defendendo um cadáver e o juiz, em um momento onde pode-se ver toda a hipocrisia dos militares, absolve Stuart dizendo não ter provas e Zuzu revolta-se, ameaçada de ser presa, grita para “(...)ter o direito sagrado de uma mãe enterrar seu filho!”, em uma cena de extrema comoção.

Essa forte e corajosa mulher arrisca a própria vida ao ir atrás de um homem, que fazia parte dos militares e dizia querer vingança dos ex-companheiros, para obter o depoimento de alguém que viu as barbaridades de perto.

Temendo pela própria vida, Zuzu manda uma carta ao cantor e compositor Chico Buarque de Holanda, na qual afirma que se morrer em circunstâncias estranhas terá sido culpa da ditadura.

Zuzu morreu em uma simulação de acidente automobilístico feita pelos militares, no túnel que hoje tem seu nome. O corpo de Stuart Edgar Angel Jones, que foi jogado no mar, nunca foi encontrado.

O filme retrata muito bem a brutalidade e a hipocrisia da ditadura militar brasileira, e principalmente, o medo do povo em uma sociedade em que não havia liberdade e apenas os militares tinham o poder da palavra.Essa mulher forte e corajosa pode não ter conseguido o corpo de seu filho, mas foi e é até hoje um exemplo de perseverança e coragem, protagonizada incrivelmente por Patrícia Pillar, que consegue passar toda a emoção e a veracidade da história e dos fatos, acompanhada pelos brilhantes Daniel de Oliveira, como Stuart e Othon Bastos, como um brigadeiro da base aérea. Um filme imperdível e brilhante.
* Chico Buarque de Holanda compôs uma música sobre Zuzu Angel, chamada: Angélica

ANGÉLICA

Quem é essa mulher

Que canta sempre esse estribilho?

>Só queria embalar meu filho

Que mora na escuridão do mar

Quem é essa mulher

Que canta sempre esse lamento?

Só queria lembrar o tormento

Que fez meu filho suspirar

Quem é essa mulher

Que canta sempre o mesmo arranjo?

Só queria agasalhar meu anjo

E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher

Que canta como dobra um sino?

Queria cantar por meu menino

Que ele não pode mais cantar

Queria cantar por meu menino

Que ele não pode mais cantar

Queria cantar por meu menino

Que ele não pode mais cantar



* Elenco

Patrícia Pillar (Zuzu Angel)

Daniel de Oliveira (Stuart Angel)

Luana Piovani (Elke Maravilha)

Leandra Leal (Sônia)

Alexandre Borges (Fraga)

Ângela Vieira (Lúcia)

Ângela Leal (Elaine)

Flávio Bauraqui (Mota)

Paulo Betti (Lamarca)

Regiane Alves (Hildegard Angel)

Fernanda de Freitas (Ana Angel)

Caio Junqueira (Alberto)

Aramis Trindade (Tenente)

Antônio Pitanga (Policial)

Elke Maravilha (Cantora do cabaré)

Ivan Cândido (Capelão)

Othon Bastos (Brigadeiro)

Nélson Dantas (Sapateiro)

sábado, setembro 02, 2006

Minha vida em cor-de-rosa - Uma abordagem sociológica

Título original: Ma vie en rose
Gênero
: Drama; Comédia
Duração
: 88 minutos
Ano
: 1988
Cine-repórter: Aline Farias

Sinopse: Minha vida em cor-de-rosa

retrata o drama comovente de um menino que, desde muito cedo, apresenta fortes tendências homossexuais. O protagonista, Ludovic Fabre, cresce acreditando ser uma garota em um corpo masculino e pensa que um dia se tornará uma menina de verdade. Suas idéias e atitudes incomuns vão contra os valores e costumes de sua sociedade, fazendo com que ele e toda sua família sofram uma grande repressão.

O filme começa com Ludovic, aos sete anos, vestindo-se de menina e apresentando-se como tal em uma festa de boas vindas promovida por seus pais, que tinham acabado de se mudar para um novo bairro. O mal-estar é inevitável. Apesar de todos buscarem agir naturalmente, a má impressão prevalece e os insultos à criança se iniciam depois desse episódio.

O pai de Ludovic, diante da situação acima descrita, já demonstra grande preocupação com o que os outros pensarão de seu filho e tenta reverter essa situação dizendo ser o menino "ótimo em disfarces", apesar de saber que não era a primeira vez que aquilo acontecia. Isso demonstra a grande dificuldade que existe em aceitar tudo que é diferente em uma esfera social marcada por uma moral cristalizada, onde o novo é rejeitado e os costumes se impõem diante das mais simples circunstâncias.

A família não sabe como proceder diante do comportamento estranho do filho e oscila entre respeitar suas "fantasias pueris" e forçar-lhe uma mudança de atitude. Somente a avó parece posicionar-se com clareza a favor da liberdade de expressão do menino, afirmando que um dia ele entenderá que é homem e não mais terá vontade de agir diferentemente.

O fato é que por mais que os pais tentem compreender o filho e respeitar-lhe as decisões, a pressão social não permite que isto aconteça. A mãe do garoto inúmeras vezes procura educá-lo segundo suas convicções, deixando que ele seja livre e tome decisões independentes, mas todo seu esforço é perdido quando o "ser social" mostra sua superioridade e coage-a, de forma que ela se sente obrigada a ir contra seus princípios e educar o filho da maneira aceita por todos. Caso contrário, a criança continuaria passando por constrangimentos cada vez maiores, a humilhação pioraria e a família seria, gradativamente, excluída por aqueles com as quais convivia, como acabou acontecendo.

Ludovic refugia-se em um mundo imaginário onde tudo aquilo que ele deseja e considera absolutamente natural está a sua inteira disposição. Em seus momentos introspectivos tudo é cor-de-rosa, veste-se de menina, idealiza um casamento com um vizinho de sua mesma idade e tem como companheira constante uma boneca que lhe oferece proteção.

O "menino-menina", como Ludovic se reconhece, parece tentar conter seus desejos satisfazendo-os mentalmente,

já que é tão recriminado pelos que o rodeiam. Seu sofrimento é o maior possível, pois se sente discriminado pelas instituições que o cercam: a família e a escola.

A polêmica da sexualidade, especialmente no que se refere à mudança de gênero, não é um fator de influência apenas pessoal, envolve também questões políticas e sociais. São várias gerações de pensamentos, cultura e organização fixas. Não pode ser, portanto, facilmente alterada.

O momento no qual Ludovic e seu amigo de bairro são flagrados dramatizando o casamento deles mostra o quão consolidados são os valores morais de sua sociedade. A mãe do colega de Ludovic desmaia no instante em que vê a cena e, após o ocorrido, o protagonista é motivo de opróbrio em toda sua escola. Até o amigo de bairro que tinha se disposto a "casar" com ele no dia anterior evita sua companhia com medo de ir para o inferno.

Quando a situação passa a ser entendida por seus pais como algo verdadeiramente preocupante, o menino é encaminhado a uma psicóloga. Todas as tentativas de mudar as idéias dele, contudo, falham. A situação se agrava. A rejeição da vizinhança começa a se estender à família e a qualquer um que ouse aproximar-se de um garoto com evidências tão latentes de homossexualismo.

O problema toma maiores proporções quando, no teatro do colégio, Ludovic tenta passar-se por Branca de Neve e ganhar um beijo do colega pelo qual, desde o início da narrativa, demonstra atração e com quem sonha casar-se. Ao ser retirado um véu que escondia seu rosto, todos vêem a farsa. Os pais dos demais alunos, indignados, passam a fazer freqüentes reclamações no colégio, pois não querem seus filhos convivendo com o mau exemplo que representa o garoto afeminado. Depois de um documento assinado por todos os pais, ele é obrigado a deixar a escola.

Nesse ponto, já é possível observar o poder de uma coerção social. Por mais que houvesse opiniões divergentes, como a da professora de Ludovic, que consegue entender e respeitar as diferenças, o que prevalece é a síntese dos pensamentos de uma maioria, ou seja, a opinião própria do "ser social".

Mesmo que alguns poucos batalhem pela aceitação das atitudes do garoto, somente o tempo, com o passar das gerações, e um grande número de tentativas podem, gradativamente, promover essa transformação.

As humilhações se intensificam a um nível insuportável. O menino passa por uma fase de profunda confusão mental. Tenta ,algumas vezes, com insucesso, agir virilmente. Busca conforto no seu mundo róseo particular, mas nada consegue fazer com que perca a idéia de que é uma garota no corpo errado.

É comovente a cena na qual, após Ludovic desaparecer por algum tempo, sua mãe o encontra em posição de morto, abraçado a um crucifixo, como se estar sem vida fosse seu desejo naquele instante

.
O menino rende-se ao que parece ser o melhor para todos, tenta desistir da vida. O fato de um menino de apenas sete anos pensar no suicídio é muito relevante. Mostra, com clareza, o quão coagido estava para alterar seu comportamento. Não consegue, por isso vislumbra a solução através da morte.

Depois da evidente demonstração de desespero de Ludovic, seus pais, aconselhados pela avó, deixam o menino ir para a festinha de aniversário de uma vizinha vestido de saia, mesmo não tendo sequer sido convidados. A estupefação é geral. Apesar de todos hipocritamente aparentarem achar tudo absolutamente compreensível, as conseqüências são as piores possíveis.

A sociedade encontra seu meio de punição. O pai do garoto perde o emprego, a família começa a passar por muitas dificuldades financeiras e o escárnio promovido pela vizinhança é tão devastador que os Fabre não têm mais condições de permanecer naquele bairro.

A mãe de Ludovic, em uma cena inicialmente confusa, beija a boca de um de seus vizinhos, que, apesar de estupefato, não consegue esconder seu contentamento. A mulher parece querer provar que ele, assim como Ludovic, também tem desejos proibidos, não os realizando com medo da reação do meio social, mas nem por isso deixa de tê-los.

No desenrolar dos acontecimentos, o "menino-menina" acaba indo morar algum tempo na casa da avó, por não suportar mais os constrangimentos que passa todos os dias. Ser obrigado a cortar seu cabelo é um dos golpes mais cruéis de repressão pelo qual passa. Finalmente, seu pai consegue um emprego em uma cidade distante e o menino decide ficar com sua família nessa mudança.

O “ser social” mostra de uma vez por todas sua superioridade, fazendo com que os Fabre, não adaptados às regras de conduta moral, tenham que se deslocar em condições financeiras inferiores e com sua organização interna profundamente abalada, sendo Ludovic constantemente culpado por tudo aquilo que enfrentavam.

Quando a família se muda para outra cidade, os pais do menino encontram uma situação semelhante à deles, na qual uma garotinha, embora tenha comportamento masculino, é tratada com naturalidade. A mãe de Ludovic parece finalmente voltar a enxergar o quão dura está sendo com seu filho. No desfecho da narrativa, apesar de todas as transformações sofridas pelo núcleo em foco, todos parecem conformados com a situação e dispostos a tentar reconstruir suas vidas aceitando a condição diferenciada do protagonista.

A história apresenta pontos cômicos e traz uma edificante mensagem de convivência com as diferenças, apesar do claro enfoque nos aspectos dramáticos e polêmicos da situação repressiva e preconceituosa vivida por Ludovic, inserido em um contexto social conservador que não lhe poupa sofrimento ao privar-lhe do direito de ser aquilo que sua natureza propunha tão insistentemente.



Elenco e equipe técnica:

Michèle Laroque interpretando Hanna Fabre

Jean-Philippe Écoffey interpretando Pierre Fabre
Hèlène Vicent interpretando Élisabeth
Georges Du Fresne interpretando Ludovic Fabre
Daniel Hanssens interpretando Albert
Laurence Bibot interpretando Lisette
Jean François Gallotte interpretando Thierry
Caroline Baehr interpretando Monique
Julien Rivière interpretando Jérôme
Marie Bunel interpretando a piscicóloga
Gregory Diallo interpretando Thom Fabre
Erik Cazals De Fabel interpretando Jean Fabre
Cristina Barget interpretando Zoé Fabre
Delphine Cadet interpretando PamMorgane
Bruna interpretando Sophie
Raphaelle Santini interpretando Christine
Marine Jolivet interpretando Fabrienne
Anne Coesens interpretando a professora
Vincent Grass interpretando Principal
Catherine Hirsh interpretando a secretária
Kevin Martin interpretando Kevin
Marie Beatrice Paillard interpretando Manon
Peter Bailey interpretando Jeremie
Charly Esposito interpretando Tristan
Jeremy Durieu interpretando Lucien
Michael Cordera interpretando Ben
Erwan Demaure interpretando Jonathan
Simon Poitier interpretando Bertrand
Alexandra Genoves
Alice Detrouleau
Michel Forget
Sabrina Leurquin
Bruno Georis
Baptiste Hupin
Alexandre Isaye
Robin Lemoine
Damien Nireau
Estúdio: Centre National de la Cinématographie (CNC)
Distribuição: Sony Pictures Classics
Direção: Alain Berliner
Roteiro: Alain Berliner, Chris Vander Stappen

Observação:
Esse texto é uma análise sociológica de
Minha vida em cor-de-rosa baseada nas teorias de Durkheim. O filme foi visto e debatido com a turma do primeiro semestre de jornalismo 2006.2 na UNIFOR, tendo como professora orientadora Geísa Mattos.